Crítica: ‘Um Lugar Silencioso: Dia Um’ e o Twinkie de Woody Harrelson Crítica: ‘Um Lugar Silencioso: Dia Um’ e o Twinkie de Woody Harrelson

Crítica: ‘Um Lugar Silencioso: Dia Um’ e o Twinkie de Woody Harrelson

‘Um Lugar Silencioso: Dia Um’ leva a franquia em uma direção diferente, mas acaba sendo como tantos outros filmes apocalípticos

Lalo Ortega   |  
27 de junho de 2024 17:06

De tempos em tempos, o cinema de gênero hollywoodiano traz alguma boa surpresa, como foi o caso do primeiro Um Lugar Silencioso em 2018. Inevitavelmente, a máquina acaba rotulando-o como “franquia” e começa a produzir sequências, prequelas e spin-offs, com resultados decrescentes. Assim, chega Um Lugar Silencioso: Dia Um, terceiro filme da franquia e primeira prequela, aos cinemas brasileiros neste 27 de junho.

Considerando o quão cansativa foi a – até agora – única sequência do filme original, não se poderia culpar ninguém por esperar pouco (ou francamente nada) de uma história de origem. Foi uma grata surpresa, então, descobrir que o diretor e roteirista Michael Sarnoski (Pig), substituindo o criador John Krasinski, consegue levar este mundo devastado por predadores alienígenas ultrassônicos em direções das quais pode extrair emoção, embora não sejam nada inovadoras.

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No caminho, acaba caindo em vários clichês, sem dúvida. Um Lugar Silencioso: Dia Um não descobre o fio da meada dos filmes apocalípticos. O que ele encontra é humanidade em uma fórmula que já parecia cansada na segunda entrega.

Dia Um é um filme “anti-Um Lugar Silencioso

Um Lugar Silencioso: Dia Um funciona porque, em essência, opera no sentido contrário de seus predecessores. Estes se situavam bastante tempo depois que a invasão alienígena dizimou a maior parte da humanidade. Os protagonistas eram os Abbott, uma família que encontrou uma metodologia meticulosa para se esconder dos invasores e sobreviver em uma fazenda remota.

Eram filmes, por sua natureza, “pequenos” (o primeiro, principalmente). Um punhado de personagens, alguns cenários e, dada sua natureza, quase nada de diálogos. As situações de perigo se limitavam a um suspense quase claustrofóbico, com os protagonistas enfrentando os alienígenas em casa.

Um Lugar Silencioso: Dia Um pressupõe que já conhecemos as regras da franquia: fazer barulho é uma sentença de morte (Crédito: Paramount Pictures)
Um Lugar Silencioso: Dia Um pressupõe que já conhecemos as regras da franquia: fazer barulho é uma sentença de morte (Crédito: Paramount Pictures)

No entanto, também tinha uma faceta esperançosa: no meio do fim do mundo, uma família encontrou uma maneira de seguir em frente. Da noite para o dia, o que era percebido como uma deficiência tornou-se um método de sobrevivência: a surdez e a linguagem de sinais para se comunicar. Porém, esse contexto é muito limitado para manter o interesse em novas histórias, como acabou demonstrando a inevitável sequência.

Embora não expanda a mitologia da história (a invasão alienígena permanece sem explicação), Um Lugar Silencioso: Dia Um opta, sabiamente, por ser a completa antítese dos outros dois filmes. Como o título já revela, tudo acontece durante o “início do fim”, no coração de Nova York, tão barulhenta e populosa quanto pode ser uma grande cidade.

Dado o contexto, a prequela é o caldo de cultivo para se inclinar mais para a ação, mais próxima de um filme de desastres: é, curiosamente, mais parecida com os territórios de Godzilla ou Independence Day, com toda a devastação quase pornográfica da cidade mais emblemática dos Estados Unidos.

E, de modo geral, Dia Um funciona como tantos outros filmes apocalípticos: diante do desastre, do caos e de uma força invasora implacável, está a humanidade tentando sobreviver. Há perseguições, cenas de suspense e alguns buracos de lógica – as bestas podem ouvir um ruído mínimo a quilômetros de distância, mas não um humano subindo em uma viga ao lado – e uma edição preguiçosa para resolver ou explicar certos acontecimentos. No entanto, nessa faceta, consegue ser emocionante.

O ponto mais forte de Um Lugar Silencioso: Dia Um, no entanto, está em seus protagonistas e seu drama pessoal, que também não poderia ser mais diferente da esperançosa família Abbott.

“Aproveite as pequenas coisas”

O coração da história é a sempre excelente Lupita Nyong’o (Pantera Negra) como Sam, uma mulher que sofre de câncer terminal e que está com raiva da vida. A única coisa que lhe interessa é seu gato de terapia, Frodo, e comer pizza nas raras ocasiões em que pode sair do hospício onde passa seus últimos dias de vida. O completo oposto da esperançosa família dos primeiros filmes – e, exceto pelo personagem de Djimon Hounsou, sem conexões desnecessárias com eles.

Sam é, em poucas palavras, uma pessoa que não tem nada mais a esperar da vida além da própria morte. O resto do mundo, após a devastadora invasão alienígena, apenas está alcançando-a em sua trágica realidade.

Quando não há nada a perder e todo o sentido da existência se perde (geralmente artificial e meticulosamente proporcionado pela ordem social estabelecido), as prioridades se reorganizam. Se a morte está ao virar da esquina, a um erro de distância, a felicidade aparece nas coisas mundanas.

O coração de Um Lugar Silencioso: Dia Um está em Lupita Nyong'o e Joseph Quinn (Crédito: Paramount Pictures)
O coração de Um Lugar Silencioso: Dia Um está em Lupita Nyong’o e Joseph Quinn (Crédito: Paramount Pictures)

É a mesma lição que o já clássico Zumbilândia emprega para fins tão cômicos quanto comoventes com a incansável busca de Tallahassee (Woody Harrelson) pelo último Twinkie do planeta (“aproveite as pequenas coisas”). Um Lugar Silencioso: Dia Um dá um giro surpreendentemente existencial: Sam está determinada a comer a última fatia de pizza no Harlem, a coisa que mais aprecia na vida, mesmo que isso lhe custe o pouco tempo que lhe resta na Terra.

A única pessoa em seu caminho será Eric (Joseph Quinn, Eddie em Stranger Things), um estudante desamparado que fica preso em Nova York, sozinho, quando tudo desmorona. Ambos os personagens se conectam em sua fragilidade e se transformam um ao outro, a partir de suas vulnerabilidades, durante a jornada.

Debaixo de uma espessa superfície de terror, desastres e ação, Um Lugar Silencioso: Dia Um é mais um drama existencial, com atuações surpreendentemente emotivas. É uma história de seres humanos lutando pelo que os torna, precisamente, humanos: a comunicação, a emoção, a música, a própria vida, com todo o seu barulho e caos.

Se ao menos esses estúpidos alienígenas parassem de interromper a cada cinco minutos…

Um Lugar Silencioso: Dia Um já está em cartaz. Compre seus ingressos para ver nos cinemas.

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