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'Tico e Teco: Defensores da Lei' e a tragédia do "Sonic Feio"
A participação do "Sonic Feio" em 'Tico e Teco: Defensores da Lei' reforça a tendência de Hollywood de fazer "filmes de algoritmo" descartáveis
Lalo Ortega | 24/05/2022 às 16:18 - Atualizado em: 08/08/2023 às 13:19
Em 20 de maio, 'Tico e Teco: Defensores da Lei', uma comédia metaficcional de ação e mistério que mistura animação e imagem real, chegou ao Disney+. Mas se você estava no Twitter naquele dia, provavelmente ouviu a notícia por meio de uma hashtag e memes que pouco tinham a ver com a dupla de roedores.
Nessa mesma sexta-feira, #UglySonic (#SonicFeio, em tradução literal) virou tendência na rede social, inundando-a de imagens e comentários sobre a aparição do questionável ouriço azul em um filme da Disney.
Na trama, os esquilos Tico e Teco chegam a Hollywood com o sonho de fazer sucesso e conseguem, com sua bem sucedida série de aventuras homônima (com a qual muitos de nós crescemos nos anos 1990). No entanto, após a separação de Tico e Teco e o cancelamento do programa, eles seguem caminhos separados: Tico se torna um corretor de seguros e Teco faz uma "cirurgia CGI" na tentativa de ficar dentro dos padrões e manter as velhas glórias.
Além do milagre jurídico representado pela inclusão do Sonic Feio (como é chamado aqui no Brasil), a piada é uma das muitas de um filme que pretende tirar sarro de sua própria indústria, uma montanha-russa em que você está no pico por um minuto, antes de cair mais baixo no próximo, agarrando-se à nostalgia do público.
Por seu enredo, estilo visual e número de personagens convidados, 'Tico e Teco: Defensores da Lei' foi comparado favoravelmente a 'Uma Cilada Para Roger Rabbit'. Também foi aplaudido pela ingenuidade autorreferencial de seu roteiro, que zomba tanto da própria Disney quanto dos vícios de Hollywood como indústria.

No entanto, embora seja inegavelmente engraçado, a participação do Sonic Feio – e a forma como impactou as redes sociais – é apenas um exemplo sintomático do que as produções de estúdio agora pretendem ser: coleções de momentos que aludem à cultura da internet, facilmente replicáveis dentro de si mesma (geralmente na forma de memes inacabáveis), antes de ser descartado para o lançamento da semana seguinte.
Mas primeiro, um pouco de contexto.
Quem é "Sonic Feio" em 'Tico e Teco: Defensores da Lei'?
A piada de Ugly Sonic ou Sonic Feio pode não ter sido muito engraçada entre os usuários menos frequentes da Internet. Mas os internautas, cinéfilos e até os gamers mais assíduos certamente conhecem a história.
Há alguns anos, muito antes de transformá-lo em uma franquia de filmes de sucesso, a Paramount Pictures preparava a estreia de 'Sonic: O Filme', uma adaptação cinematográfica de um dos personagens de videogame mais famosos da história: 'Sonic, o Ouriço' ('Sonic the Hedgehog', no original). Só que o primeiro trailer lançado pelo estúdio parecia bem diferente da versão final apresentada ao público.
Veja bem, Sonic é um ouriço azul extremamente caricatural, então para a adaptação a Paramount optou por um design um pouco mais realista, com membros menos exagerados. O resultado foi algo unanimemente considerado tão terrível pelo público das redes sociais, que o estúdio tentou (sem sucesso) apagá-lo da existência desde então. O trailer original não está mais em seus canais oficiais, mas cá entre nós, nada realmente desaparece da internet:
Em poucos dias, o diretor do filme anunciou que, em resposta às críticas dos fãs, o estúdio redesenharia completamente a versão cinematográfica do personagem. Isso, segundo os relatórios mais conservadores, custou à produção mais cinco milhões de dólares, além de outros cinco meses de trabalho.
Mesmo que o design original fosse objetivamente horrendo (caramba, aqueles dentes…), 'Sonic: O Filme' marca uma daquelas raras – embora cada vez mais comuns – instâncias de um estúdio tentando corrigir as falhas e fazer algo mais próximo do que o fãs querem.
Foi assim que Sonic Feio foi condenado a viver o resto de seus dias na infâmia, dando autógrafos em conferências de quadrinhos e sendo ridicularizado por um filme da Disney.
'Tico e Teco: Defensores da Lei' é apenas mais um "filme de algoritmo"
De certa forma, o novo filme dos esquilos da Disney é uma paródia de quão selvagem e ingrata a indústria do entretenimento pode ser.
No entanto, também visa ironizar como Hollywood procura espremer até o último dólar da nostalgia do público por seus filmes e séries favoritos do passado. Personagens como Sonic Feio ou o próprio Tico e Teco, em especial o último, que sobrevive porque há pessoas dispostas a pagar por mercadorias autografadas de estrelas em declínio.
Isso, e que também há pessoas dispostas a pagar uma assinatura Disney+ para ver Tico e Teco e muitas outras participações especiais das séries e filmes com os quais cresceram ou, na falta disso, o enésimo remake ou reboot deles. "Não é um reboot, é um retorno", ironicamente dizem os materiais promocionais do filme, até fazendo uma piada às suas próprias custas: "ninguém gosta de reboots".
Porque não se trata mais de contar uma boa história: trata-se de contar quantos personagens reconhecemos nela. É a mesma cultura que faz um filme bem-sucedido se tiver bastante Homem-Aranha nele, ou causa reclamações se não tiver todas as aparições esperadas pelo público: a norma não é surpreender o fã com algo inovador, mas agradá-lo com algo que ele já conhece (mesma razão pela qual eu afirmo que 'Matrix Resurrections' é uma das poucas sequências que valem a pena).

Curiosamente, 'Tico e Teco: Defensores da Lei' também foi comparado à sequência de Space Jam. Alguns chegaram a dizer que é tudo o que 'Space Jam: Um Novo Legado' gostaria de ser.
Mas realmente não é. Embora o 'Space Jam' tenha criticado abertamente “filmes de algoritmo” (apesar de ser um), é fundamentalmente o mesmo que o filme da Disney, pois ambos zombam da crise de criatividade de sua indústria. Aqui a exploração das mesmas franquias e histórias continua, de todas as formas possíveis, apenas disfarçadas de ironia e paródia.
E é aí que as comparações com Roger Rabbit são mais infelizes. Além do fato de que este último foi um divisor de águas da animação (que Tico e Teco apenas imitam), há algo a ser dito sobre as motivações de seus respectivos vilões.
No clássico de Robert Zemeckis, Judge Doom (Christopher Lloyd) acaba sendo um desenho animado posando como humano. Seus planos são macabros: livrar-se de Toontown e todos os seus habitantes animados por um produto químico letal, para construir uma mega-estrada lucrativa. Livrar-se da arte por dinheiro, basicamente.
No filme da Disney, Tico e Teco descobrem uma trama semelhante. Alguém está sequestrando desenhos animados de Hollywood, mas para explorá-los de outra maneira: pirateando-os para estrelar versões baratas (insinuadas de que são chinesas) de seus próprios filmes. O inimigo, em outras palavras, não ataca a criatividade, mas a propriedade intelectual.
O que diz muito sobre o amálgama homogêneo de propriedades intelectuais que a Disney se tornou, um depósito infinito de personagens a serem jogados indiscriminadamente na produção da vez. Eles não vão transformá-los em personagens piratas, mas vão transformá-los em inúmeros memes da internet.
Pobre Sonic Feio. Já teremos esquecido dele na próxima semana.
'Tico e Teco: Defensores da Lei' está disponível no Disney+. Para saber mais sobre o filme, ver o trailer e encontrar o link para assistir online, clique aqui!

Lalo Ortega é um crítico mexicano de cinema. Já escreveu para publicações como EMPIRE em español, Cine PREMIERE, La Estatuilla e mais. Hoje, é editor-chefe do Filmelier.

Lalo Ortega é um crítico mexicano de cinema. Já escreveu para publicações como EMPIRE em español, Cine PREMIERE, La Estatuilla e mais. Hoje, é editor-chefe do Filmelier.
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