Crítica de ‘Imaculada’: Sydney Sweeney subverte o nunsploitation Crítica de ‘Imaculada’: Sydney Sweeney subverte o nunsploitation

Crítica de ‘Imaculada’: Sydney Sweeney subverte o nunsploitation

Embora a própria Sydney Sweeney seja irregular, ‘Imaculada’ propõe ideias interessantes dentro do subgênero nunsploitation

Lalo Ortega   |  
31 de maio de 2024 09:03

O nunsploitation, ilustre subgênero do cinema de exploração protagonizado por freiras em tramas transgressoras com doses de violência, sexo e blasfêmias mais altas que as de qualquer tabloide, sempre será tão polêmico e espinhoso quanto chamativo. Com esse contexto, Imaculada (Immaculate), filme protagonizado e produzido por Sydney Sweeney que chegou aos cinemas do Brasil neste 30 de maio, poderia ser percebido como um esforço não tão arriscado, pelo menos no início.

E, para ser claro, não parece ser um filme totalmente transgressor – nem propriamente do nunsploitation – por boa parte de sua metragem, pois o roteiro de Andrew Lobel passa bastante de sua extensão colocando as peças para seu desfecho.

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No entanto, vale lembrar, a sexualidade e o sangue nos contextos religiosos desse cinema profano têm por objetivo, nos melhores casos, expor, criticar e condenar as hipocrisias, abusos e corrupção das organizações religiosas – a igreja católica, em específico.

Dito isso, Imaculada não alcança os níveis de sacrilégio audiovisual descarado de, por exemplo, Os Demônios de Ken Russell – talvez o maior expoente desse subgênero. Este filme, dirigido por Michael Mohan (Observadores), toma caminhos mais moderados, mas alinhados ao discurso que propõe com seu desfecho.

Ave-Maria, cheia de graça

Situada em uma época próxima à atual, mas não totalmente esclarecida, Imaculada segue uma jovem noviça americana, Cecilia (Sweeney), que se tornou devota após se salvar de morrer afogada sob o gelo. Ela acredita que Deus a salvou por um motivo e, com a intenção de descobrir qual, aceita ir morar em um convento na Itália, que funciona como asilo para freiras idosas em seus últimos dias.

Ao chegar, sua estadia se revela desconfortável, e não só pela barreira do idioma. A irmã Isabelle (Giulia Heathfield) age com uma hostilidade imerecida em relação a ela. Ela faz amizade com a irmã Gwen (Benedetta Porcaroli), que não parece feliz em seguir as regras. O comportamento das freiras idosas, claramente com demência senil, a perturba. Nota, no pé de uma delas, uma cicatriz com uma marca incomum.

No entanto, o padre Tedeschi (Álvaro Morte, de La Casa de Papel) tenta fazê-la se sentir bem-vinda: conversa com ela sobre seu passado e sobre uma valiosa relíquia do convento. Mas as coisas começam a dar errado logo depois: após um pesadelo – Lobel claramente se inspira em O Bebê de Rosemary – Cecilia começa a mostrar sintomas de estar grávida, sem nunca ter sido tocada por um homem em sua vida.

Forças religiosas – masculinas e patriarcais – subjugam o protagonista de Imaculada (Crédito: Diamond Films)
Forças religiosas – masculinas e patriarcais – subjugam o protagonista de Imaculada (Crédito: Diamond Films)

Daí em diante, o mundo ao redor de Cecilia – e o próprio roteiro de Imaculada – não se preocupa em dar uma explicação plausível para o que aconteceu. Os personagens dão por certo que a gravidez é um milagre, e a jovem é ungida como uma nova virgem Maria. Até que, claro, há suspeitas de que algo mais sinistro está em jogo.

A caminho da grande revelação, o filme de Mohan é irregular: o roteiro aposta em não poucas instâncias pela simples comoção, nem sempre justificada ou com uma contribuição à narrativa. É uma produção notavelmente conservadora no aspecto visual, e Sydney Sweeney não parece capaz de se livrar do sotaque de “cali girl” nem mesmo se sua vida dependesse disso.

E o que foi dito: por grande parte da metragem, e em comparação com filmes recentes como Benedetta, os aficionados do nunsploitation em sua forma mais escandalosa e provocativa podem se sentir decepcionados pela escassez de blasfêmias visuais e sonoras de caráter sexual (embora a violência venha em doses tão saudáveis quanto explícitas).

Alguns poderiam pensar que a seletividade na nudez e na violência sexual é uma falta de incisividade, vista em outros bons expoentes do subgênero. Mas é o contrário: trata-se de uma decisão que se alinha com a política de Imaculada, com os valores que denuncia e como são representados.

O Senhor é convosco

O cinema – e a arte, em geral – costuma reagir à realidade política e social de seu contexto. Embora tenha sido concebido (desculpe) há quase uma década (e não como um filme de freiras, segundo Lobel), não é por acaso que Imaculada se tornou o que é e estreou no mesmo ano que A Primeira Profecia, outro filme com uma trama e temática muito semelhantes: ambas as produções falam de mulheres que são submetidas pela igreja a gravidezes e partos horripilantes, cujos produtos devem servir aos fins políticos da organização religiosa.

Imaculada busca caminhos diferentes dos típicos filmes de nunsploitation (Crédito: Diamond Films)
Imaculada busca caminhos diferentes dos típicos filmes de nunsploitation (Crédito: Diamond Films)

Isso, nem precisa dizer, é emoldurado por uma época em que os direitos reprodutivos da mulher estão em pauta como peças políticas para governos de extrema-direita em várias partes do mundo, escudando-se nos “valores tradicionais” ou “em nome de Deus” (e especificamente, nos Estados Unidos com a anulação do caso Roe vs. Wade em 2022, e a subsequente ilegalização do aborto em várias de suas entidades).

Para não entrar em detalhes, basta dizer que, com seu desfecho, Imaculada toma uma postura mais radical que a de seu filme irmão em relação às representações cinematográficas da feminilidade – e da maternidade, no caso – diante dos valores cristãos representados pelas forças antagônicas desses filmes. Só pode ser descrito como uma rejeição total e radical.

E nesse repúdio, há também uma reconfiguração da estética do nunsploitation, e da própria exploração do corpo feminino para fazer uma crítica ao poder – um meio para um fim. Ken Russell pode ter sido mais radical em sua estética blasfema, um autêntico ataque aos sentidos que escandalizou o público de sua época. Mas algo sem dúvida valioso em Imaculada é propor outro caminho para a crítica e a denúncia do poder, a partir de representações do feminino, que busca limitar e condicionar as liberdades de seu gênero.

Imaculada já está em cartaz. Compre seus ingressos para assistir nos cinemas.

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