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Crítica de ‘Clube dos Vândalos’: isso não é ‘Easy Rider’

Para o bem e para o mal, os motoqueiros tornaram-se símbolo e caricatura da contracultura dos anos 60. As cenas de Easy Rider: Sem Destino, ao som da ode à liberdade motorizada de Steppenwolf, foram ícones tão transcendentes de seu momento histórico que, inevitavelmente, foram prostituídas e desvirtuadas pela cultura popular e pela publicidade, que agora vende Harley Davidson para os aposentados da classe média conformista com dinheiro para pagar uma. O sonho contracultural se extinguiu há bastante tempo. O que há de novo para dizer sobre isso em um filme como Clube dos Vândalos (The Bikeriders)?

A resposta, sem grande surpresa, é um simples: “não muito”. O filme – que chega aos cinemas brasileiros neste 20 de junho, após prolongados atrasos devido à greve de atores em Hollywood – nasceu do desejo do diretor, Jeff Nichols (Loving), de fazer “um filme de motoqueiros”. Sua inspiração veio do livro de fotografias e entrevistas The Bikeriders de Danny Lyon, publicado em 1968 e considerado um dos grandes trabalhos documentais de sua época.

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O próprio Lyon é ficcionado em Clube dos Vândalos, interpretado por Mike Faist (Rivais). Mas ele não é o protagonista: o jornalista funciona como um dispositivo narrativo ortodoxo para inserir os três personagens nos quais a história se concentra.

Clube dos Vândalos é motociclistas “à la Scorsese”

Situado em Chicago ao longo da década de 60, a narrativa de Clube dos Vândalos vai e vem no tempo, saltando entre acontecimentos e tecendo a fundação, crescimento e decadência do clube homônimo. O início do filme, com uma explosão de violência, já prevê o desfecho: um jovem motoqueiro, Benny (Austin Butler de Elvis, usando todas as suas forças para fazer um James Dean), é atacado em um bar por usar a jaqueta de seu clube, que na época não era bem visto. No entanto, a história não será contada apenas de sua perspectiva. No processo de criar seu livro, o Lyon fictício fotografa e entrevista várias pessoas relacionadas ao clube. A principal delas é Kathy (Jodie Comer, O Último Duelo). Seu testemunho se torna a voz em off que nos guia entre flashbacks e flashforwards de sua perspectiva. A vemos conhecer Benny, apaixonar-se por ele e, acima de tudo, competir por sua atenção contra sua motocicleta e seu confiável sócio, Johnny (Tom Hardy, Mad Max: Estrada da Fúria), o fundador e líder do clube.
Jodie Comer é um dos melhores elementos de Clube dos Vândalos (Crédito: Universal Pictures)
Ao redor deles, e com um elenco coral que também inclui nomes como Michael Shannon, Norman Reedus e Karl Glusman, Clube dos Vândalos constrói sua comunidade de motoqueiros apaixonados pela estrada. Em vários momentos, Nichols até emula os retratos criados por Lyon para seu livro: esses são caras com namoradas, filhos e sonhos que, no entanto, estão dispostos a desistir em nome da fraternidade do clube, seja para passear ou quebrar a cara de alguém. O roteiro, também escrito por Nichols, não aprofunda muito mais no estilo de vida de seu clube de motociclistas. Percebe-se, até mesmo, um certo ar nostálgico e idealista: essa honra e lealdade tácitas devem pesar mais do que qualquer lei ou relacionamento romântico (o que traz, de fato, a tensão entre os três personagens principais, essencial para a narrativa). “É essa coisa estranha em que não quero apenas glorificar [a cultura dos motoqueiros], mas ao mesmo tempo, há algo tão glorioso no que fazem, tão belo e livre”, dizia Nichols em uma entrevista de 2018, quando Clube dos Vândalos era apenas uma ideia rondando em sua cabeça. Mas, querendo ou não, ele glorifica seus personagens, reduzindo-os ao mesmo clichê imortalizado por Easy Rider: Sem Destino. Se tivéssemos que adivinhar seu principal referente estilístico, chegaríamos a Os Bons Companheiros (Goodfellas) de Martin Scorsese quase inevitavelmente. Até poderíamos ouvir os personagens parafraseando sua icônica frase inicial…

“Desde que me lembro, sempre quis ser um motoqueiro”

Voltando à pergunta de o que mais Clube dos Vândalos pode acrescentar ao tema dos motoqueiros dos anos 60: se a resposta continua sendo “não muito”, isso não significa que seja um filme ruim. Argumentos não faltam, e Nichols oferece uma obra que em todos os momentos é, pelo menos, divertida. Mesmo com Butler como um de seus elos mais fracos, há outros elementos que compensam: Jodie Comer é sensacional (como sempre), Tom Hardy é fascinantemente estranho com seu sotaque, a fotografia naturalista de Adam Stone é cuidadosa e eficiente, mas tão bela quanto suja e áspera quando necessário.
Por si só, Clube dos Vândalos é uma boa história sobre poder e corrupção (Crédito: Universal Pictures)
E é, afinal de contas, um relato sobre idealismos que são corrompidos pela ganância, ego e poder. Uma crônica de um humilde clube de caras que só amam motocicletas, e cuja grande tragédia foi sucumbir à mudança dos tempos, mais violentos e mais masculinos. O que manterá Clube dos Vândalos com os pés no chão, longe do firmamento do grande cinema americano, é sua idealização quase agarrada a um status quo extinto, distante, praticamente esgotado em sua autoparódia. É o grande mal do cinema contemporâneo e “retrotópico”, que olha para trás com ambos os pés plantados em uma nostalgia por um tempo que não foi vivido, mas descoberto em sua versão distorcida por outros interesses e cristalizada no cânone pela cultura popular. Uma filha de Easy Rider, afinal. Talvez fosse o próprio Nichols quem sempre quis ser um motoqueiro.

Clube dos Vândalos chega aos cinemas brasileiros em 20 de junho. Compre seus ingressos para assistir nos cinemas.

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Lalo Ortega

Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.

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