Crítica de ‘Clube dos Vândalos’: isso não é ‘Easy Rider’ Crítica de ‘Clube dos Vândalos’: isso não é ‘Easy Rider’

Crítica de ‘Clube dos Vândalos’: isso não é ‘Easy Rider’

‘Clube dos Vândalos’ (‘The Bikeriders’) oferece uma visão divertida, mas superficial, da vida dos motoqueiros dos anos 60

Lalo Ortega   |  
20 de junho de 2024 09:34

Para o bem e para o mal, os motoqueiros tornaram-se símbolo e caricatura da contracultura dos anos 60. As cenas de Easy Rider: Sem Destino, ao som da ode à liberdade motorizada de Steppenwolf, foram ícones tão transcendentes de seu momento histórico que, inevitavelmente, foram prostituídas e desvirtuadas pela cultura popular e pela publicidade, que agora vende Harley Davidson para os aposentados da classe média conformista com dinheiro para pagar uma. O sonho contracultural se extinguiu há bastante tempo. O que há de novo para dizer sobre isso em um filme como Clube dos Vândalos (The Bikeriders)?

A resposta, sem grande surpresa, é um simples: “não muito”. O filme – que chega aos cinemas brasileiros neste 20 de junho, após prolongados atrasos devido à greve de atores em Hollywood – nasceu do desejo do diretor, Jeff Nichols (Loving), de fazer “um filme de motoqueiros”. Sua inspiração veio do livro de fotografias e entrevistas The Bikeriders de Danny Lyon, publicado em 1968 e considerado um dos grandes trabalhos documentais de sua época.

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O próprio Lyon é ficcionado em Clube dos Vândalos, interpretado por Mike Faist (Rivais). Mas ele não é o protagonista: o jornalista funciona como um dispositivo narrativo ortodoxo para inserir os três personagens nos quais a história se concentra.

Clube dos Vândalos é motociclistas “à la Scorsese”

Situado em Chicago ao longo da década de 60, a narrativa de Clube dos Vândalos vai e vem no tempo, saltando entre acontecimentos e tecendo a fundação, crescimento e decadência do clube homônimo. O início do filme, com uma explosão de violência, já prevê o desfecho: um jovem motoqueiro, Benny (Austin Butler de Elvis, usando todas as suas forças para fazer um James Dean), é atacado em um bar por usar a jaqueta de seu clube, que na época não era bem visto.

No entanto, a história não será contada apenas de sua perspectiva. No processo de criar seu livro, o Lyon fictício fotografa e entrevista várias pessoas relacionadas ao clube. A principal delas é Kathy (Jodie Comer, O Último Duelo). Seu testemunho se torna a voz em off que nos guia entre flashbacks e flashforwards de sua perspectiva. A vemos conhecer Benny, apaixonar-se por ele e, acima de tudo, competir por sua atenção contra sua motocicleta e seu confiável sócio, Johnny (Tom Hardy, Mad Max: Estrada da Fúria), o fundador e líder do clube.

Jodie Comer é um dos melhores elementos de Clube dos Vândalos (Crédito: Universal Pictures)
Jodie Comer é um dos melhores elementos de Clube dos Vândalos (Crédito: Universal Pictures)

Ao redor deles, e com um elenco coral que também inclui nomes como Michael Shannon, Norman Reedus e Karl Glusman, Clube dos Vândalos constrói sua comunidade de motoqueiros apaixonados pela estrada. Em vários momentos, Nichols até emula os retratos criados por Lyon para seu livro: esses são caras com namoradas, filhos e sonhos que, no entanto, estão dispostos a desistir em nome da fraternidade do clube, seja para passear ou quebrar a cara de alguém.

O roteiro, também escrito por Nichols, não aprofunda muito mais no estilo de vida de seu clube de motociclistas. Percebe-se, até mesmo, um certo ar nostálgico e idealista: essa honra e lealdade tácitas devem pesar mais do que qualquer lei ou relacionamento romântico (o que traz, de fato, a tensão entre os três personagens principais, essencial para a narrativa).

“É essa coisa estranha em que não quero apenas glorificar [a cultura dos motoqueiros], mas ao mesmo tempo, há algo tão glorioso no que fazem, tão belo e livre”, dizia Nichols em uma entrevista de 2018, quando Clube dos Vândalos era apenas uma ideia rondando em sua cabeça.

Mas, querendo ou não, ele glorifica seus personagens, reduzindo-os ao mesmo clichê imortalizado por Easy Rider: Sem Destino. Se tivéssemos que adivinhar seu principal referente estilístico, chegaríamos a Os Bons Companheiros (Goodfellas) de Martin Scorsese quase inevitavelmente. Até poderíamos ouvir os personagens parafraseando sua icônica frase inicial…

“Desde que me lembro, sempre quis ser um motoqueiro”

Voltando à pergunta de o que mais Clube dos Vândalos pode acrescentar ao tema dos motoqueiros dos anos 60: se a resposta continua sendo “não muito”, isso não significa que seja um filme ruim.

Argumentos não faltam, e Nichols oferece uma obra que em todos os momentos é, pelo menos, divertida. Mesmo com Butler como um de seus elos mais fracos, há outros elementos que compensam: Jodie Comer é sensacional (como sempre), Tom Hardy é fascinantemente estranho com seu sotaque, a fotografia naturalista de Adam Stone é cuidadosa e eficiente, mas tão bela quanto suja e áspera quando necessário.

Por si só, Clube dos Vândalos é uma boa história sobre poder e corrupção (Crédito: Universal Pictures)
Por si só, Clube dos Vândalos é uma boa história sobre poder e corrupção (Crédito: Universal Pictures)

E é, afinal de contas, um relato sobre idealismos que são corrompidos pela ganância, ego e poder. Uma crônica de um humilde clube de caras que só amam motocicletas, e cuja grande tragédia foi sucumbir à mudança dos tempos, mais violentos e mais masculinos.

O que manterá Clube dos Vândalos com os pés no chão, longe do firmamento do grande cinema americano, é sua idealização quase agarrada a um status quo extinto, distante, praticamente esgotado em sua autoparódia. É o grande mal do cinema contemporâneo e “retrotópico”, que olha para trás com ambos os pés plantados em uma nostalgia por um tempo que não foi vivido, mas descoberto em sua versão distorcida por outros interesses e cristalizada no cânone pela cultura popular.

Uma filha de Easy Rider, afinal. Talvez fosse o próprio Nichols quem sempre quis ser um motoqueiro.

Clube dos Vândalos chega aos cinemas brasileiros em 20 de junho. Compre seus ingressos para assistir nos cinemas.

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