Há poucos cineastas tão críticos quanto o romeno Radu Jude quando se trata de questionar, criticar ou simplesmente rir de nossas contradições – e falhas francas – como seres humanos da pós-modernidade. Não Espere Muito Do Fim Do Mundo continua com o estilo ácido e incisivo do diretor. A trama segue Angela, uma produtora audiovisual explorada e mal paga que, ironicamente, deve procurar entre trabalhadores feridos de uma mesma corporação para filmar um vídeo sobre a importância da segurança no local de trabalho. Em seus tempos livres, grava vídeos de TikTok como seu alter ego criado com um filtro de câmera, "Bobita", um homem misógino com quem ironiza sobre a cultura machista. O filme expõe a dupla moral e a predação de um sistema econômico onde nos vitimizamos e exploramos uns aos outros (ou até a nós mesmos) diante da câmera. Jude nos sugere, com ironia, que o fim do mundo não será uma grande explosão apoteótica: já estamos vivendo, e a humanidade morrerá em um lixão audiovisual onde a dignidade é sacrificada no altar dos ricos e poderosos. – Lalo Ortega, editor-chefe do Filmelier
Segredos de Um Escândalo (May December) é um filme que ficou com uma marca: a injustiça cometida no Oscar 2024, quando sequer foi indicado para Melhor Filme. Um absurdo. Injustiça, afinal, já que este trabalho do cineasta Todd Haynes (Carol) é milimétrico ao cutucar o que há de mais podre, ridículo, inesperado na sociedade. Na trama, uma atriz (Natalie Portman) vai conhecer a mulher (Julianne Moore) que irá interpretar em seu próximo filme. O motivo de fazer um filme sobre ela? Há alguns anos, ela se relacionou com um rapaz muito mais novo, menor de idade, e que agora é seu marido (Charles Melton). A partir daí, acompanhamos uma trama com três camadas: as observações de Haynes sobre como o cinema se aproveita de tragédias; como a sociedade enxerga um relacionamento como esse, nascido a partir de um crime; e como a própria sociedade também se abate sobre essas pessoas, forçando relações que não existem. É um filme maduro, intenso e com grandes atuações (Portman, Moore e principalmente Melton brilham aqui) e que apenas reafirma Haynes como um dos cineastas mais provocativos em atividade, cutucando a sociedade americana. Leia mais na crítica completa. – Matheus Mans, editor do Filmelier
Deixando de lado um título que não é particularmente evocativo, O Mal que nos Habita é, em termos muito simples, um dos filmes de terror mais implacáveis e honestos lançados nos últimos anos. O diretor Demián Rugna nos apresenta uma Argentina rural cuja realidade não só é extrapolável para outros contextos sociais, mas que não tem coração em sua visão de um mundo não apenas brutal em sua violência, mas vazio de lei, moral e compaixão, onde o ódio e a crueldade se espalham como uma doença, literalmente. Porque a única coisa mais assustadora que tudo isso é imaginar que se extingue a esperança de poder combater esse mal. Leia mais na crítica completa. – Lalo Ortega
Primeiro filme em língua inglesa do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, O Quarto ao Lado (The Room Next Door) consegue manter a essência do cineasta mesmo sem a beleza da língua materna. Julianne Moore e Tilda Swinton fazem uma boa dupla como duas mulheres que encaram a finitude da vida, cada uma do seu jeito. A trama traz questões existenciais de uma forma inusitada, sempre tratando a morte como algo incômodo, quase como se fosse uma pedra no caminho, enquanto o mundo continua a girar e a acontecer, nunca com novidades, mas sempre como uma repetição que vai perdendo a graça. E o melhor de tudo: com ares de uma pintura de David Hockney, o filme coloca as cores de Almodóvar marcando presença e ditando o ritmo dos sentimentos das personagens, que transitam entre a melancolia, a confusão e até o bom humor. - Matheus Mans
Um Homem Diferente (A Different Man) é daqueles filmes que te tiram da zona de conforto. Afinal, desde a concepção da história, o diretor e roteirista Aaron Schimberg cutuca, provoca e instiga com a história de um homem com deficiência no rosto causada por um acúmulo de tumores benignos. A questão é que, apaixonado pela vizinha, ele decide participar de um experimento e mudar a aparência. Com Sebastian Stan, Renate Reinsve e o genial Adam Pearson, o longa questiona realmente até que ponto a aparência é um impeditivo, sem medo de cutucar a ferida e questionar assuntos que são, até hoje, tabus -- e que, aqui, ganham ainda mais peso pela relevância do cinema. - Matheus Mans